domingo, julho 03, 2005

Outra dezena de praxe, do Seabra

716. Ele adorava funerais. Misturava-se aos presentes e abraçava-os chorando, como nunca pudera fazer com sua família. (C. Seabra)

717. Atrás das grades, com o olhar posto ao longe no horizonte, após tantos anos ele já achava que o mundo é que estava preso. (C. Seabra)

718. Sua memória andava cada vez pior! Quando, finalmente, achou a chave do armário e o abriu, descobriu o esqueleto do amante esquecido. (C. Seabra)

719. Os sentimentos antigos mexem-se mais devagar e por isso demoram mais para sair do lugar. (C. Seabra)

720. O coelho que morava na cartola xingava o mágico que o espremia ali com dois pombos, uma dúzia de lenços coloridos e cinco cigarros acesos. (C. Seabra)

721. Quando o navio deixou o cais, seu espírito rumou célere para o horizonte, enquanto sua alma ficava presa para sempre em terra. (C. Seabra)


722. A perua gostava tanto de galinhar que para ela todo o pinto valia a pena. (C. Seabra)

723. "Eu robô" disse o andróide, entregando-se à polícia. (C. Seabra)

724. Naquela biblioteca, um único livro jamais havia sido retirado. No dia que aquela criança o pegou, o bibliotecário dormiu seu último sono sorrindo. (C. Seabra)

725. Seu funeral teve tantos discursos que o morto conseguiu ser ainda mais enfadonho do que fora em vida. (C. Seabra)