sexta-feira, setembro 30, 2005

Histórias da roça

Guardo ainda algumas lembranças de meu tempo de menino da roça. Pena que o rico vocabulário dos sertões e veredas onde vivi já não seja mais ativo. De vez em quando lembro-me de uma ou outra palavra; leréia, por exemplo. O tempo andou apagando muita coisa. Uma pena! Apesar disso, algumas histórias ficaram. Não saberia contá-las todas. Falta-me o sabor da conversa caipira. Mas posso pelo menos rascunhar algumas delas em microcontos.


928. Dez da noite. Sinhana, acordada, revira-se no colchão de palha. É muita a leréia lá fora. (j. novelino)

929. O rádio galena disse que o homem foi à Lua. Zé Porrete não acredita. (j. novelino)

930. Tocam café a meia. A colheita está perdida e eles não têm como dividir a miséria com o patrão. (j. novelino)

931. Dona Salvina prefere dar leite aos porcos. Não quer ver filhos dos colonos no curral. (j. novelino)

932. No bote para pegar um rato, a jibóia assustou o casal que namorava na tulha. (j. novelino)

933. Noite de São João. Patrões e colonos dançam no mesmo baile. Amanhã tudo volta ao normal. (j. novelino)

934. O carreiro chora. Sete Ouro e Malhado vão para o matadouro. Semana que vem um tratorista fará seu serviço. (j. novelino)

935. De boca fechada, o moleque nega tudo. Se abri-la, o pó amarelo vai mostrar que ele roubou jatobá. (j. novelino)

quarta-feira, setembro 28, 2005

Mais um pequeno grão

927. Desistiu de fazer história das mentalidades depois de entrar em contato com o pensamento das elites paulistanas . (j. novelino)

Avencas in natura



Para não ficar no zero

Os autores se recolheram num retiro que está durando muito tempo. Se continuar assim, a meta dos mil vai virar um sonho impossível. Para não ficar no zero no dia de hoje, cometi mais uma zinha, magra e pouco inspirada. De qualqer modo ela faz número. E, quem sabe, a dita pode animar outros microconteiros a comparecer.

926. Qualquer flor vai manchar a beleza verde das avencas, desespera-se o decorador. (j. novelino)

segunda-feira, setembro 26, 2005

Seabra quer saber onde estão os autores

Junto com mensagem na qual cobra microcontos dos outros autores, Seabra manda mais uma dezena de histórias mínimas. Acompanho o Seabra: onde estão nossos autores? Cadê a produção?


916. O jovem onanista era hábil em navegar pelos websites e salas de chat com uma só mão no teclado. (C.Seabra)

917. Ele nunca errava. Ao contrário, sempre tinha ótimas e detalhadas explicações para suas maiores cagadas. (C.Seabra)

918. Alfredo era, há muitos anos, um convicto vegetariano. Mas, ao ver aquelas carnes abundantes e suculentas rebolando, ficou com a boca cheia de água. (C.Seabra)

919. Há muito tempo não precisava mais usá-la, mas a bengala tornara-se parte integrante da sua personalidade. (C.Seabra)

920. Era um bom cliente do bistrô. Pena que, acompanhando o vinho, quase só consumia guardanapos de papel, onde escrevia pequenos contos sem parar. (C.Seabra)

921. Era um sósia tão perfeito de si mesmo que nem sua mulher percebia quando cometia adultério com ele. (C.Seabra)

922. Os vizinhos reclamavam, os cachorros corriam atrás, mas o velho piloto aposentado do oitavo andar continuava a soltar seus aviões de papel. (C.Seabra)

923. Noite e silêncio. A luz amarela do poste recorta a sombra de uma árvore na calçada. Suas folhas se mexem, agitadas por duas silhuetas nela encaixadas. (C.Seabra)

924. Os homens da mudança chegaram com o caminhão e encaixotaram tudo o que ela juntara durante a vida, cada pedacinho de si mesma. (C.Seabra)

925. Com a quimioterapia, seu cabelo havia caído quase todo. Agora, com a luta vencida, deixou crescer cabelo e barba como um velho hippie. (C.Seabra)

Um etílico do Pelarin

915. Por insistência da família procurou os Alcoólicos Anônimos. Encontrou no seu grupo o Santo a quem sempre oferecia o primeiro gole. (P. Pelarin)

MC's etílicos

Vez ou outra, já apareceram por aqui MC's etílicos. Bares e botecos são grandes fontes de inspiração. Resolvi compor um série sobre o assunto. Não foi muito difícil. Bastou modificar levemente algumas histórias reais para não comprometer em demasia os heróis originais. Devo algumas das histórias a casos contados pelo Zeca Ildefonso. Ele vai perceber, de cara, os plágios que andei praticando.


905. Tomam-se pingas eventuais para quebrar o gelo da cerveja. Ele, porém, toma cervejas eventuais para abrandar o fogo da pinga. (j. novelino)

906. No Bar do Zé, após o expediente, eles consertam o mundo e tentam acabar como o estoque de cerveja. (j. novelino)

907. Se a bebida for destilada, ele tem fé de que não acordará com ressaca. (j. novelino)

908. É a última saideira, o Zé vai abrir o boteco para o café da manhã. (j. novelino)

909. Pinga ou cachaça, ele bebe com prazer, é um cara sem preconceitos. (j. novelino)

910. Depois do tratamento com garrafadas, o alcoólatra virou o maior fã das latinhas. (j. novelino)

911. É o último bêbado do mundo. O IBAMA classificou-o como espécie em extinção. (j. novelino)

912. Quando a cerveja sumiu da praça, desesperado, ele tomou até Skol. (j. novelino)

913. O dono do alambique recusa-se a vender cachaça para fregueses com caras de abstêmios. (j. novelino)

914. Não conseguiu fazer o tour pelos botecos da cidade. Ficou bêbado no primeiro estabelecimento. (j. novelino)

domingo, setembro 25, 2005

Uma zinha

904. Homem biônico, trocou neurônios por bytes. Já não transa, apenas computa. (j. novelino)

sexta-feira, setembro 23, 2005

Foto conta tudo

Posted by Picasa

quarta-feira, setembro 21, 2005

Microcontos numerais

Galileu e Newton inauguraram esse nosso mundo em que tudo é número. Mas às vezes a gente se esquece de como os os valores quantitativos invadem nossas vidas. Ao pensar nessas coisa, imaginei que escrever contos numerais seria um belo desafio. Vejam no que deu.


892. Um, dois, três... Acordou com o berro do quarto carneiro. Era o despertador. (j. novelino)

893. Dez espelhos quebrados. Ele chegou aos setenta anos. Quer outra dezena de azares. (j. novelino)

894. “Das suas inúmeras razões, cite três”, exigia sempre o chato cartesiano. (j. novelino)

895. Depois das mil e uma noites de aventuras, o sultão insone quer dormir uma noite inteira. (j. novelino)

896. Trezentos picaretas: não ficou pedra sobre pedra. (j. novelino)

897. São seis mil metros de chão, preciso dar o primeiro passo. (j. novelino)

898. Ela procura um par, cansou-se da vida ímpar. (j. novelino)

899. Filho único de filhos únicos, ele não consegue compreender números primos. (j. novelino)

900. Noves fora, na minha vida nada sobrou. (j. novelino)

901. Descobriu o valor de x. Ganhou um dez. (j. novelino)

902. Trabalho? Exigem-no inteiro. Salário? Pagam-no em frações. (j. novelino)

903. O matemático é mais discreto que uma seqüência de números inteiros. (j. novelino)

segunda-feira, setembro 19, 2005

Preciosidade de photoflavor.com


Quase nove centos contos

Com mais esta dezena do Seabra estamos chegando perto dos nove centos contos. Espero que até o final da semana sobrem apenas cem contos para chegar à meta dos mil. Vamos lá, senhores e senhoras! Contem mais alguns contos para chegarmos ao ponto.

882. Ele sentia-se um Rambo na selva. Impiedoso, o velhinho com o mata-moscas continuou sua caçada. (C. Seabra)

883. O velho marinheiro já estava meio surdo, mas ao encostar a concha no ouvido escutou

novamente todos os sons daquele naufrágio. (C. Seabra)

884. Ao assistir TV na prisão, o que mais o incomodava era estar preso àquela grade de programação. (C. Seabra)

885. Os dois inimigos reencontraram-se após longos anos. Já bem velhos, não conseguiam mais recordar por que se odiavam. (C. Seabra)

886. Cada bugiganga a mais que ela comprava, era um orgasmo a menos que deixava de lamentar. (C. Seabra)

887. Escorregando pelo corrimão das escadas ou arrastando-se por baixo dos móveis da sala, aquele moleque era mesmo um zero zero sete! (C. Seabra)

888. O orador possuía uma curiosa habilidade: quanto mais falava, menos a platéia entendia o que ele dizia. (C. Seabra)

889. Quando a loira da minissaia cruzou as pernas, o taxista não pôde evitar a olhada no retrovisor nem a batida no cruzamento. (C. Seabra)

890. O senador discursava inflamado para uma platéia completamente vazia. Mas a câmara da TV estava ligada. (C. Seabra)

891. Quando o rei da cocada preta descobriu que ficara diabético, virou republicano. Light. (C. Seabra)

Zezé volta com três

879. Nadia é a puta mais sofisticada do bordel, recebe os clientes vestindo apenas uma gota de Chanel nº 5. (Zezé Pina)

880. A vida de Nadia é caótica. O amante um broxa. O marido um idiota. Só Lulu, seu cão de estimação, sabe fazê-la verdadeiramente feliz. (Zezé Pina)

881. No canto do quarto Lalá sentia-se só. Não ouvia canções de ninar, não lhe trocavam a roupa. Ana tornara-se mulher; a boneca não tinha mais importância. (Zezé Pina)

Dez novelinos

869. Ela me deixou. O rádio toca a nossa música. Mudo de estação. (j. novelino)

870. Ele odeia esportes. A noiva o trocou por uma jogadora de tênis. (j. novelino)

871. Ela perdeu a fé. O padre desistiu do romance. (j. novelino)

872. Casaram-se sem paixão. Já viveram dez anos de um desamor feliz. (j. novelino)

873. Perdeu o medo de avião. Pena que aquela seria a última viagem. (j. novelino)

874. Quarenta anos depois, a paixão ardente é apenas uma lembrança suave. (j. novelino)

875. Quis ser poeta. É escriturário do 2° cartório. (j. novelino)

876. Odeia o chihuahua que ocupa aquele pedaço de cama que ele tanto queria. (j. novelino)

877. Gosta de rosas, margaridas e violetas, mas casou-se com uma Hortência. (j. novelino)

878. Abandonou o doutorado em sociologia do trabalho quando descobriu que continuaria desempregado. (j. novelino)

sábado, setembro 17, 2005

Seabra com mais uma dezena

859. Quando a impediram de xerocar o capítulo de um livro, escaneou a própria bunda e imprimiu-a para toda a faculdade. (C. Seabra)

860. Grana, l'argent, bufunfa, money, dinheiro... Na hora de discutir seu quinhão, todos se entendiam em Babel. (C. Seabra)

861. Na ditadura Solange trabalhava na censura. Até hoje ela fica molhadinha quando vê uma tarja preta. (C. Seabra)

862. Tudo acabou entre eles no dia em que disputaram, pela primeira vez, o controle do controle remoto. (C. Seabra)

863. Como o tempo passa depressa! Já se foi mais um século? Perguntou-se Matusalém... (C.Seabra)

864. No dia seguinte à noite de núpcias, ela jurou dedicar o resto de sua vida para destruí-lo aos poucos. (C. Seabra)

865. Era uma senhora tão chata que seu maior interlocutor era o espelho e receber spam no e-mail sua maior alegria. (C. Seabra)

866. Naquela rua, um novo templo da Igreja Universal. Que pena, era um cinema tão legal... (C. Seabra)

867. Ela tinha três pares de óculos, para ver de perto, ao longe e os de sol. Mas sempre que precisava usar algum era o que havia deixado em casa. (C. Seabra)

868. No caixa do supermercado, escolheu a maior fila de todas. E o homem-bomba ficou à espera da sua vez... (C. Seabra)

Outro do Senir

858. Era masoquista. Sofria demais nas relações face a face. Preferia computador. (Senir Fernandez)

Um amigo de Portugal

Recebi mensagem simpática de um amigo virtual luso, Luís Ene. Ele e sua obra podem ser encontrados aqui ao lado, no link 1000euma. Além da mensagem, Luis mandou algumas histórias, deixando a meu critério o que com elas fazer. É claro que vou publicá-las aqui. Como a colaboração não vale para a contagem do desafio posto para aposentados do Senac e de amigos que trabalharam nas "casas do comércio", publico as histórias mínimas vindas de Portugal sem numeração de ordem. Antes disso, renovo meu obrigado ao Luis com um convite: volte sempre e com mais histórias.

A magia tem um único requisito: é preciso acreditar nela. (Luis Ene)

O amor não tem chave, é ele mesmo a chave. (Luis Ene)

Todos os pontos acreditam numa mesma e incontestável verdade: o universo tem um centro. (Luis Ene

Quando as coisas lhe corriam mal, ficava bem, quando lhe corriam bem, melhor. (Luis Ene)

Era muito superficial, toda a sua profundidade estava à superfície. (Luis Ene)

O seu eu era uma âncora mergulhada no sonho que o mantinha à tona do real. (Luis Ene)

Primeiro excitou-o, depois paralisou-o, e por último matou-o. (Luis Ene)

Quando escrevia não tentava, nem por um instante, dizer o que queria, mas apenas o que não conseguia deixar de dizer. (Luis Ene)

Um do Senir

857. Era escritor de novelas mas tinha muita pressa. Hoje escreve minicontos. (Senir Fernandez)

quarta-feira, setembro 14, 2005

Mais Pelarin

Voltei à ativa. Espero que os autores façam o mesmo. Os mil microcontos estão ali na esquina. Basta um último empenho. O Pedro Pelarin já voltou com tudo. Aqui vão as mais recentes produções do moço de Birigui.

852. Ele pediu um tempo para pôr a cabeça no lugar. Ela lhe deu um tempo e dois chifres. Bem feito! (P. Pelarin)

853. Tempos bicudos! Depois de sugerir ao povo pobre francês que trocasse o pão por brioche, Antonietinha não conseguiu mais colocar a cabeça no lugar. (P. Pelarin)

854. Sobrou só um motivo que justificasse o fracasso daquele projeto: faltou motivação. (P. Pelarin)

855. Disse que não estava com fome. Na verdade achou que não era correto comer a canja feita com "aquela" galinha. (P. Pelarin)

856. O garoto levou tão a sério aquele relacionamento que passou a sentir ciúmes do galo. (P. Pelarin)

terça-feira, setembro 13, 2005

Outros dois do moço de Birigui

850. Foi quase um desrespeito: levou o radinho de pilha para ouvir o jogo do timão no velório da sogra. (P. Pelarin)

851. Perdeu tudo que tinha - e não era pouco. Com carteado, mulheres e advogados. (P. Pelarin)

Mais microcontos de Angola

Nossa correspondente em terras de África manda mais algumas histórias seriais. Ei-las aqui:

Série Sonhos

844. Em seu sonho, a cidade futurista era construída sobre o mar com vigas de ferro e papel reciclado. (Eliane Camargo)

845. Como num filme, ela assistia ao seu próprio descontrole emocional e temia surtar. (Eliane Camargo)

846. Mesmo adormecido, o cão metia medo e o intruso sabia o risco que corria. (Eliane Camargo)

Série Pecados Capitais

847. Ira. A raiva contida revela-se em sonhos repletos de cães ferozes. Sua agressividade reprimida atingia a si próprio em uma incontrolável gagueira. (Eliane Camargo)

848. Gula. Para sentir-se magro, o gordinho passou a andar com uma gangue de obesos. Com 20 kg extras sentia-se arder na fogueira da vaidade. (Eliane Camargo)

849. Inveja. Diziam que aquela moça dera certo. Em um mês, ganhara promoção no trabalho. (Eliane Camargo)

Seis mais do Kuller

838. Era uma série. Todos replicantes de mil. Revoltou-se. Foi o dois mil e um. (Zé Kuller)

839. Não considero a chance. Abdico. Retorno ao povo. É minha chance de ser mais. Não me reconhecem. Obscureço. (Zé Kuller)

840. Chego. Exijo tratamento épico. Todos se submetem. A festa é magnífica! Só uma inquietação: o sorriso disfarçado do bobo da corte. Como é o amanhã? (Zé Kuller)

841. Ofereço uma música no alto-falante da festa da igreja. A menina gosta. Seu olhar é cheio de promessas. Disfarço. Rodopio. Desapareço. (Zé Kuller)

842. Carmim dos lábios. Doçura da pele. Estendo a boca, quase em beijo. Hálito de flores... O desejo multiplicado ao imenso. Por que acordo? (Zé Kuller)

843. Você viveu no meu dia. Cresceu nos meus olhos abertos. Concreta. O primeiro beijo foi um aviso. O sonho é diferente da vida. (Zé Kuller)

Pablo corrigido e solto

Aqui vai um MC do Pablo que, na versão original, estava acima do limite dos cento e cinquenta toques.

837. O assaltante arrancou o maço de cigarros de meu bolso pensando ser a carteira.Vingativo, deu-me um chute no saco e cuspiu na minha cara. (Pablo Rico)